Texto escrito em comemoração ao dia do Psicólogo (27 de agosto) e lido durante apresentações no anfiteatro da Unifucamp.
Para começar, um clichê, mas daqueles tão necessários que doe até os ossos, e ali deve ficar impregnado: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”, profetizou o suíço Carl Gustav Jung. E afinal, o que mais define a atuação do psicólogo do que esse necessário abrir mão de si mesmo e se vestir de empatia para auxiliar o outro? Esse agir que deve ser marcado pelo contato entre as essências, quando o mais puro do terapeuta encontra com as aflições do seu paciente.
Aliás, necessário e desafiante agir, pois o quão difícil é perceber que a sua verdade de nada vale se o outro não consegue encontrar a própria, se só você está bem enquanto ao lado, e ao alcance de auxílio, há alguém que chora, enveredado no próprio conflito. Por isso é preciso ser destemido ao iniciar a empreitada de ser facilitador de transformações, entendendo que a renúncia dos próprios “achismos” é fundamental.
A mente humana é um campo vasto e intrigante, e nessa tarefa de desvendá-la muita gente se dedicou. Pra uns, somos comportamento, modulados e influenciados, para outros, pensamento, negativos e positivos, saudáveis ou não. Para alguns outros somos também, e muito mais, inconscientes, regidos por um desconhecido pulsante e vivaz, simbólico e latente. Somos também, para mais alguns, o centro de nossa própria existência, donos de nosso caminho, detentores do poder de autor realização.
E no cerne disso tudo, está o fato de que todo o processo é artesanal, onde cada relação é única, cada paciente tem seu jeito particular de ser, e que para cada um será necessário elementos distintos e especiais, porque quando se trata do íntimo alheio, é preciso tato e sensibilidade, pois isso fortalece e permite que um mergulho profundo nas instâncias da psique aconteça.
E mesmo com tanta teoria bonita, muitos pensam que ser psicólogo é só secar lágrimas, testemunhar relatos e ser depósito de dores. Não, não mesmo. É ver gente crescer, e se alegrar muito com isso. É ajudar uma pessoa perdida a encontrar um caminho que ela sequer sabia existir. É dar força para sentimentos aflorarem, brotados em sorrisos e abraços, em relações que há muito estavam perdidas. É ver um filho reconhecer na mãe o esforço para o criar, enquanto antes só existia revolta e dor. É ver uma mãe vibrar de satisfação ao presenciar o mínimo marco do desenvolvimento ser atingido, através daquele papel simples que a criança ganhou para colorir. É ver gente que já se sentiu muito excluída tendo vontade para buscar afeto e exercer com maestria quem ela é. Mas acima de tudo, ser psicólogo é uma delícia, pois a gente aprende a brincar com a vida, a dar valor aos mínimos detalhes, e a entender que pra cada coisa tem seu tempo, que não existe regra, nem modo certo de ser feliz.
Mas, sabe de uma coisa? De nada adianta presenciarmos, e facilitarmos, isso tudo, ou nada disso, se não pudermos sermos auxiliados, se não existir um espaço dedicado ao cuidado de nossas dores, das feridas mais fundas, dos medos mais paralisantes, das angústias mais sufocantes. De nada adianta toda leitura e pesquisa, se não puder ouvir um “tô aqui pra te ajudar a pensar, a ficar bem”. Sem dúvida alguma, ser psicólogo também é lidar com a angústia de não conseguir ajudar, de ser insuficiente, de ter medo e às vezes se sentir paralisado perante a própria vida refletida no paciente. É ser companhia, mas também se sentir amparado.
Por isso, ser psicólogo é um grande ato de coragem, que rende alegrias, pra todos aqueles que estão dispostos a enfrentarem a própria dor, desejosos de contribuir na construção de um lugar melhor, seja paciente ou terapeuta, porque no final, todo mundo busca ser quem verdadeiramente é, e isso requer coragem, muita coragem. Na melhor do que ser de verdade, agir com a própria essência e vibrar de alegria quando o outro consegue isso também. Psicologia é profissão de gente que sabe sentir a vida, com empatia e desejo de construção, de mudança e transformação.